quinta-feira, 14 de maio de 2009

A ditadura do regime alimentar

A ditadura do regime alimentar

Quem nunca tentou enfrentar aqueles quilos a mais e fechar a boca para a comida. E ainda por cima ter que ouvir: Quer uma deliciosa fatia de torta de chocolate? E nossa barriga: Ah! como eu queria! E a cabeça irracional, de pronto reproduz a célebre frase: Não, não posso! Estou de regime! Regime, doce martírio! Doce não! Doce também não pode, mas você entendeu! E esse nome maquiavélico: regime! Com r minúsculo para quem lê e com R maiúsculo para quem faz.
Talvez até como forma de lembrar as torturas alimentares pela qual você vai passar! Maiúscula mesmo é a minha fome ou gula, tanto faz, só sei que minha boca está salivando em resposta fisiológica aos apelos visuais e olfativos. O tempo é algo psicológico na alma de um abstêmio. Estou aqui na fila do pão! Já fazem dois dias, doze horas, trinta e sete minutos e dez segundos que estou de regime! Uma eternidade! Uma vida! A vida inteira de um inseto, quem sabe! E se o inseto for essa mosquinha que está rodeando o pão-doce, hummm, que delícia de vida! E essa fila que não anda! Não quero, nem posso olhar para as vitrines da Padaria! Todos aqueles pãezinhos, doces, tortas, sobremesas, sonho... sonho...
Senhor? Senhor!? A balconista me acorda: "Deu cinco reais, Senhor!"
Pago e saio correndo desesperado da Padaria sem nem pegar o troco! Ando um quarteirão antes de chegar em casa, na ânsia de atacar ali mesmo o saquinho de pão. E devorar aquela quentura saborosa! Não resisti e abro para pegar um pedaço de pão. Eis que o bendito cai no chão! Por uns três segundos, quase voltando à infância e escutando uma voz de criança sussurrando em meu ouvido: "O que não mata, engorda!" E pensei comigo mesmo, peraí, se o que não mata, engorda! E o que engorda? mata? Sinto um calafrio, e me apresso ainda mais pra chegar em casa.
Chego em casa com a certeza de que consegui me segurar o bastante na rua e na Padaria, e na próxima vez, para dignidade do meu regime, mandarei alguém ir comprar o pão! Vitrine de Padaria deve ser evitada pelos regimistas de plantão! Como um pão integral, com fatia de queijo branco e um copo de suco de laranja! Estavam todos deliciosos, não sei se era a fome. Mas não estou satisfeito! Quem faz dieta nunca se satisfaz com o que come, já percebeu?
É aquela comida fracionada, cheia de fibras, grãos e restrições à nossa liberdade alimentar. Por falar em comida racionada, realmente esses grãos que trouxe do supermercado lembram ração de animal. Granola, semente de Girassol e mais numseioquê. Parece comida de passarinho, e eu não sou passarinho! Porque estou de regime mesmo? Amanhã mesmo vou entregar esses sacos de cerais integrais para o meu vizinho. Lembrei que ele é criador de pássaros! Continuo insatisfeito! Vou pra a sala, ligo a TV para ver o Jornal e me deparo com o apresentador: "Bem, no nosso quadro 'Cozinhas do Brasil', vimos ontem a Cozinha Tradicional Nordestina e agora vejamos as delícias da Culinária mineira!"
Aí é demais pra mim! Nem a TV me deixa em paz! Quando se está de dieta tudo parece conspirar contra você, querendo logo o fim da abstenção! Vou pra cozinha e quem sabe tomando um ou dois copos de suco eu não me sinta mais cheio e engane-me como satisfeito. Tomo todo um copo cheio e olho para aquela porta misteriosa trancada ali ao lado. É a despensa! Se despensa fosse um lugar menos repleto de atrações agradáveis ao paladar não teria esse nome, seria algo dispensável em toda cozinha, seria dispensa! Escuto uma voz me chamando pra entrar, não resisti e fui.
A despensa é o pior lugar da casa para um ser em regime. Lá as alterações visuais, como que em uma ficção, parecem ganhar vida de uma forma estranha, bizarra. Não duvido nada que aqueles filmes com comidas falando e andando não tenham sido feitos por uma pessoa em regime após ter entrado na despensa! E após dois longos dias sem comer as deliciosas guloseimas pós almoço, entre outras tantas sobremesas postas de lado, em vez de postas à mesa, eu posso jurar que tava quase escutando as comidas nas prateleiras falando comigo, e no auge da abstinência, uma delas berrava: Me coma! Me coma! Sou toda sua! Como uma putinha ninfomaníaca sedenta após um longo tempo (dois dias) sem sexo!
Meu Deus, quanta tentação! Porque estou de regime mesmo? Ah! lembrei, é por causa dos quilinhos a mais! É a ditadura da Moda! Do corpo sarado e malhado. Tudo para obter os padrões estéticos vigentes! E é nessa ditadura da moda, que assim como a Militar não é nada branda, que muitas pessoas, assim como eu, decidem se esganar e fazer de tudo para entrar nesses padrões. É um Absurdo! Uns quilinhos a mais não faz mal à ninguém. Desde que você esteja com Saúde,isso sim é importante. Ser saudável! E nós nos sentimos tão bem quando comemos aquilo que temos vontade. Bom é estar bem consigo.
E eu consigo! Se o tal Regime militar já acabou, quem sou eu pra não pôr fim no meu regime amilitar, alimentar, sem milícias, porém carente de delícias! Delícias, hummm, lembrei da Padaria e do meu troco. Declaro o fim do regime, pego os chinelos e abro umas duas trufas de chocolate antes de sair de casa. E na minha voracidade de abrir a embalagem, uma caiu no chão! Ah! o que não mata, engorda, e o que engorda não mata não! Vou pegar meu troco ou quem sabe deixar o troco por lá mesmo e me esbaldar nas deliciosas vitrines dos sonhos!

(Erasmo Felipe)

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